sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Quando você acordar


Gabriela estava ali parada, sentada na calçada. Os olhos marejados, úmidos. Teimava em não deixar a lágrima escorre-lhe pelo rosto. O vento do fim de tarde esfriava-lhe a pele. O vestido estampado parecia deixar-lhe mais alegre, colorida, mas não estava. Sentia-se abandonada, esquecida. Olhava para a janela e a luz continuava apagada. Estava ansiosa mas paciente. O cachorro fuçava o lixo em busca de alimento. Pensou em dar-lhe algo mais. Ambos abandonados ali. Ele poderia, quem sabe, ser uma companhia para aquelas horas que demoravam a passar. Mas o cachorro se foi. Antes de descer a ladeira olhou-a rapidamente não demonstrando-lhe nenhum interesse e muito menos companhia. Pensava se estava fazendo a coisa certa. Não conseguia pensar. Esperava. A janela continuava escura. Olhou o relógio e só então percebeu há quanto tempo estava ali. Sentia as nádegas queimarem adormecidas. Negava-se ficar em pé para não correr o risco de desistir. Queria ficar ali à espera. Guardava muitas palavras e sentimentos. Precisava entregar. Mas ele não acordava. Sentiu fome. Sabia que ali perto havia um bar, haveria de ter algo saboroso, ao contrário da saliva espessa que engolia. Abriu a bolsa timidamente e contando algumas moedas concluiu que não conseguiria uma grande refeição. Se não era pra ser grande, preferia ficar ali. Tudo para Gabriela era grande. Seu desejo, seu amor, sua vontade. Eram gigantescos. Respirava forte, andava rápido, buscava muito, queria mais, muito mais. Tanto para quem era tão pequena. A fome e a brisa fria contribuíam para que o sono a enlaçasse os olhos. Mas não se permitiria dormir. Havia de estar bem alerta, pois a qualquer momento... Enfim! A luz do quarto acendeu. Respirou fundo ainda sem coragem de levantar-se. Os olhos arregalados como duas jabuticabas esperavam ansiosos que ele pousasse na janela. Ainda nada... Apenas a luz. Pensou em fazer barulho para chamar atenção. Com o coração aos pulos pegou uma lata e jogou ladeira abaixo. O titilar do alumínio no asfalto não ecoou o suficiente. E se lhe chamasse o nome? Gritaria com fervor. Amor. Paixão. Tristeza. Os olhos apontados para a janela encharcavam-se em lamento. Por que não ir à janela admirar a noite? O que custava? Não sabia como chamar a atenção. Música... Ao longe ouvia uma linda canção chegando. Olhou para a esquina e avistou um senhor em passos lentos aproximando-se com um pequeno rádio de pilhas nas mãos. Que canção linda! Nunca havia escutado. Era linda. Falava de amor. Exatamente do seu Amor. O homem parou a vê-la tão emocionada. Não disse nada, apenas admirava o brilho dos olhos de Gabriela. Foi então que se lembrou de olhar para a janela. Como pôde distrair-se tanto! Mas nada havia mudado. O homem aumentou a música. Aumentou tanto que todos poderiam ouvir. Gabriela sorriu. Agora sim conseguiria vê-lo na janela. Gritou forte o seu nome, com tanta força que sentiu a garganta rasgar. “Ouça a música! Ouça a MUSICAAAAAAAAAA!!! É PRA VC!”. Imediatamente a luz apagou. Fria. Gabriela estava fria e branca. Os olhos murcharam como as pétalas no outono. Os braços caídos não tinham mais força. As pernas tremiam fracas levando seu corpo ao chão. Sentiu o frio das pedras. Seu corpo não mais lhe obedecia. A música que ouvia agora era apenas o pulsar agonizante do seu coração. Os olhos de tão pequenos se fecharam. Parecia morrer. Não ouviu o titilar do portão que se abria. Ele veio correndo e agarrou-a em seus braços. O abraço quente em choque com o corpo frio de Gabriela. Gritava o seu nome de forma desesperada. Também queria dizer-lhe algo. Ela não ouvia. Havia estado à noite anterior na janela à espera dela. Sono reprimido, olhos caídos, choro de quem espera. Apertava-lhe o peito. Fraqueza. Gabriela não estava mais ali. Não desistiu. Aceitou ficar apenas em si.
(13/12/08)

Um comentário:

  1. Migaa!!! estou bege!!! vc realmente superou minha expectativas, jamais em minha vã filosofia iria supor essa sensibilidade tão aflorada, um conto de beleza impar. Parabéns!!! obrigada por confiar em mim. Beijos!

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